Se no segundo caso, duas faces foram vistas, ótimo. Se, ao contrário, você percebeu apenas uma, sem problemas... Pode ser visto desta forma, também...
Se, no terceiro quadro, você visualizou o livro de costas para você, enxergou bem. Porém, se o encontrou aberto para você, além de ter visto bem, é ainda uma pessoa que gosta de ler... Que bom atributo para um professor !
Sobre visões sociais de mundo, leia o capítulo 1 do livro Ideologia e Ciências Sociais, de Michel Löwy. Você irá gostar!!!
Brincadeiras à parte, o fato de não visualizarmos, obrigatoriamente,
as mesmas imagens, abre perspectivas para o entendimento da relatividade das coisas e representações no mundo.
Em outras palavras, nosso entorno social e econômico nos possibilita
diferentes versões para um mesmo fato ou imagem; diferentes visões sociais de mundo - ideológicas -, quando reforçam o status quo - ou contraideológicas, utópicas -, quando apontam para uma realidade ainda não existente, a ser construída, portanto.Ao pensarmos sobre visões sociais de mundo, não podemos nos esquecer de que elas estão presentes em nosso cotidiano; na forma como vemos a realidade e a entendemos; no modo como percebemos as imagens ; enfim, em todos os nossos atos, inclusive em sala de aula, quando ensinamos língua materna...
A sala de aula e o professor
Sabemos que a língua materna faz parte de nosso cotidiano. Afinal, é através dela que nos comunicamos com o mundo e que o constituímos - "...pela fala criamos no mundo estados de coisas novos" (Geraldi, p.51). Deixemos claro, entretanto, que sua sistematização é realizada em um local apropriado - a escola. Será, realmente, este o local mais apropriado para aprendermos língua? E se a resposta for afirmativa, como isto se dá?Geraldi, eminente professor da UNICAMP e autor de diversos livros a respeito do ensino de língua materna nos afirma que
Para ensinar a língua materna, não se trata de devolver ao aluno a palavra para que emerjam histórias contidas e não contadas em função apenas de uma opção ideológica de compromisso com as classes populares. Devolver e aceitar a palavra do outro como constitutiva de nossas próprias palavras é uma exigência do próprio objeto de ensino. A monologia própria dos processos escolares, que reduz o mundo ao pré-enunciado por determinada classe social, é um dos obstáculos maiores interpostos pelo sistema escolar de reprodução de valores sociais à "eficiência" do próprio sistema. (GERALDI, 1996)Ora, as palavras do autor nos fazem refletir acerca do discurso do professor, e da tendência educacional que este abraça.
Se sua concepção de ensino alicerça-se sobre a mera transmissão, reduzindo a tarefa de educar à utilização de livros didáticos, gramáticas e dicionários, em cujas páginas os conteúdos estão prontos, acabados e programados; se acredita no monólogo docente como atributo essencial na relação ensino-aprendizagem; se minimiza o conhecimento, entendendo-o como conteúdos que precisam ser internalizados, este profissional da educação compreende o ensino e, por extensão, o ensino da língua materna de uma forma técnico- instrumental.
Nesse sentido, a visão social de mundo é ideológica, reforçando a manutenção do ensino da forma como ele se apresenta comumente, hoje, sem maiores alternativas transformadoras.
Para Geraldi:
O risco que se corre numa visão instrumentalista do ensino de língua é o de abandono do significado das expressões ( e as cartilhas estão cheias de "textos" sem significados) , ou da aprendizagem da forma das expressões com conteúdos totalmente alheios ao grupo social que, aprendendo a forma, estará preparando-se para, ultrapassado o segundo momento, definir participativamente "um amplo projeto de transformação social. (GERALDI, 1996)Essa perspectiva não enxerga no aluno um ser humano - cidadão, com possibilidades discursivas (independentemente da utilização da assim denominada "norma culta") e capacidade de entendimento das relações existentes no mundo. Por vezes, nos prendemos mais à forma (como o aluno se expressou, diante de determinado fato), do que à capacidade discursiva desse aluno (por que ele se expressou de determinada maneira, em relação a determinado fato e que sentidos construiu para aquele mesmo fato).
Visão sóciointeracionista: ensino como processo
Retornando às concepções de educação e ensino, o professor pode, ao contrário, compromissar-se com uma educação para a emancipação. Neste sentido, visualizará seu cotidiano a partir de uma relação dialógica, em que a troca discursiva ocorre a todo o momento com a turma principalmente em sala de aula; compreenderá o conhecimento como processo, aquisições em construção, portanto, intrinsecamente relacionado ao ato da descoberta, através também da ação discursiva, e das interações que ocorrem no coletivo da sala de aula. Dessa forma, em sua concepção de ensino de língua:A dicotomia língua/fala é substituída por uma divisão tricotômica língua/discurso/fala, o conceito intermediário sendo construído como o lugar da definição da relação entre a invariabilidade da língua, cuja autonomia relativa é reconhecida, e a variabilidade da fala, cuja dependência a um discurso dado é estatuída. (GERALDI, 1996)Em outras palavras, esta é uma concepção sóciointeracionista do ensino de língua materna, que privilegia a ação discursiva, o texto, no lugar das fragmentadas palavras e frases; que leva em conta os sentidos e significados emprestados, pelos alunos, às expressões, no momento do ato enunciativo; que pensa a língua como processo, e não como produto. Esta concepção insere-se, ainda, em uma visão social de mundo contraideológica ou utópica, que prevê a transformação, a busca do novo, ou de alternativas que construam outros sentidos para as ações político-pedagógicas.
Conclusão
As duas posições que apresentamos correspondem, assim, a diferentes visões sociais de mundo, de educação e ensino, de conhecimento, enfim. Esse emaranhado ideológico e contra ideológico nos faz caminhar, por vezes, para abismos e caminhos totalmente desconhecidos, desde que dele não tenhamos, pelo menos, uma noção aproximada. Ou seja, se não reflito sobre por que ensino determinado conhecimento, como o faço, e a partir de quais princípios e propostas, provavelmente estarei trabalhando de forma atabalhoada, sem um norte, mesmo que provisório...As visões sociais de mundo estão presentes em nosso cotidiano, quer delas tenhamos conhecimento, consciência, ou não. Principalmente a visão ideológica... E ela trabalha muito bem com a língua, enquanto forma de linguagem. O anúncio abaixo, retirado de um jornal de grande circulação do Rio de Janeiro, fundamenta o que acabamos de expor:
Lendo atentamente o anúncio, que relações você conseguiu estabelecer entre construção da língua materna e ideologia?
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