segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Continuação do que é ensinar???

Se você conseguiu enxergar, no primeiro quadro, uma menina - muito bem!!! Mas se enxergou igualmente uma senhora idosa, muito bem também!!!
Se no segundo caso, duas faces foram vistas, ótimo. Se, ao contrário, você percebeu apenas uma, sem problemas... Pode ser visto desta forma, também...
Se, no terceiro quadro, você visualizou o livro de costas para você, enxergou bem. Porém, se o encontrou aberto para você, além de ter visto bem, é ainda uma pessoa que gosta de ler... Que bom atributo para um professor !
Sobre visões sociais de mundo, leia o capítulo 1 do livro Ideologia e Ciências Sociais, de Michel Löwy. Você irá gostar!!!
Brincadeiras à parte, o fato de não visualizarmos, obrigatoriamente, as mesmas imagens, abre perspectivas para o entendimento da relatividade das coisas e representações no mundo. Em outras palavras, nosso entorno social e econômico nos possibilita diferentes versões para um mesmo fato ou imagem; diferentes visões sociais de mundo - ideológicas -, quando reforçam o status quo - ou contraideológicas, utópicas -, quando apontam para uma realidade ainda não existente, a ser construída, portanto.
Ao pensarmos sobre visões sociais de mundo, não podemos nos esquecer de que elas estão presentes em nosso cotidiano; na forma como vemos a realidade e a entendemos; no modo como percebemos as imagens ; enfim, em todos os nossos atos, inclusive em sala de aula, quando ensinamos língua materna...

A sala de aula e o professor

Sabemos que a língua materna faz parte de nosso cotidiano. Afinal, é através dela que nos comunicamos com o mundo e que o constituímos - "...pela fala criamos no mundo estados de coisas novos" (Geraldi, p.51). Deixemos claro, entretanto, que sua sistematização é realizada em um local apropriado - a escola. Será, realmente, este o local mais apropriado para aprendermos língua? E se a resposta for afirmativa, como isto se dá?
Geraldi, eminente professor da UNICAMP e autor de diversos livros a respeito do ensino de língua materna nos afirma que
Para ensinar a língua materna, não se trata de devolver ao aluno a palavra para que emerjam histórias contidas e não contadas em função apenas de uma opção ideológica de compromisso com as classes populares. Devolver e aceitar a palavra do outro como constitutiva de nossas próprias palavras é uma exigência do próprio objeto de ensino. A monologia própria dos processos escolares, que reduz o mundo ao pré-enunciado por determinada classe social, é um dos obstáculos maiores interpostos pelo sistema escolar de reprodução de valores sociais à "eficiência" do próprio sistema. (GERALDI, 1996)
Ora, as palavras do autor nos fazem refletir acerca do discurso do professor, e da tendência educacional que este abraça.
Se sua concepção de ensino alicerça-se sobre a mera transmissão, reduzindo a tarefa de educar à utilização de livros didáticos, gramáticas e dicionários, em cujas páginas os conteúdos estão prontos, acabados e programados; se acredita no monólogo docente como atributo essencial na relação ensino-aprendizagem; se minimiza o conhecimento, entendendo-o como conteúdos que precisam ser internalizados, este profissional da educação compreende o ensino e, por extensão, o ensino da língua materna de uma forma técnico- instrumental.
Nesse sentido, a visão social de mundo é ideológica, reforçando a manutenção do ensino da forma como ele se apresenta comumente, hoje, sem maiores alternativas transformadoras.

Para Geraldi:
O risco que se corre numa visão instrumentalista do ensino de língua é o de abandono do significado das expressões ( e as cartilhas estão cheias de "textos" sem significados) , ou da aprendizagem da forma das expressões com conteúdos totalmente alheios ao grupo social que, aprendendo a forma, estará preparando-se para, ultrapassado o segundo momento, definir participativamente "um amplo projeto de transformação social. (GERALDI, 1996)
Essa perspectiva não enxerga no aluno um ser humano - cidadão, com possibilidades discursivas (independentemente da utilização da assim denominada "norma culta") e capacidade de entendimento das relações existentes no mundo. Por vezes, nos prendemos mais à forma (como o aluno se expressou, diante de determinado fato), do que à capacidade discursiva desse aluno (por que ele se expressou de determinada maneira, em relação a determinado fato e que sentidos construiu para aquele mesmo fato).

Visão sóciointeracionista: ensino como processo

Retornando às concepções de educação e ensino, o professor pode, ao contrário, compromissar-se com uma educação para a emancipação. Neste sentido, visualizará seu cotidiano a partir de uma relação dialógica, em que a troca discursiva ocorre a todo o momento com a turma principalmente em sala de aula; compreenderá o conhecimento como processo, aquisições em construção, portanto, intrinsecamente relacionado ao ato da descoberta, através também da ação discursiva, e das interações que ocorrem no coletivo da sala de aula. Dessa forma, em sua concepção de ensino de língua:
A dicotomia língua/fala é substituída por uma divisão tricotômica língua/discurso/fala, o conceito intermediário sendo construído como o lugar da definição da relação entre a invariabilidade da língua, cuja autonomia relativa é reconhecida, e a variabilidade da fala, cuja dependência a um discurso dado é estatuída. (GERALDI, 1996)
Em outras palavras, esta é uma concepção sóciointeracionista do ensino de língua materna, que privilegia a ação discursiva, o texto, no lugar das fragmentadas palavras e frases; que leva em conta os sentidos e significados emprestados, pelos alunos, às expressões, no momento do ato enunciativo; que pensa a língua como processo, e não como produto. Esta concepção insere-se, ainda, em uma visão social de mundo contraideológica ou utópica, que prevê a transformação, a busca do novo, ou de alternativas que construam outros sentidos para as ações político-pedagógicas.

Conclusão

As duas posições que apresentamos correspondem, assim, a diferentes visões sociais de mundo, de educação e ensino, de conhecimento, enfim. Esse emaranhado ideológico e contra ideológico nos faz caminhar, por vezes, para abismos e caminhos totalmente desconhecidos, desde que dele não tenhamos, pelo menos, uma noção aproximada. Ou seja, se não reflito sobre por que ensino determinado conhecimento, como o faço, e a partir de quais princípios e propostas, provavelmente estarei trabalhando de forma atabalhoada, sem um norte, mesmo que provisório...
As visões sociais de mundo estão presentes em nosso cotidiano, quer delas tenhamos conhecimento, consciência, ou não. Principalmente a visão ideológica... E ela trabalha muito bem com a língua, enquanto forma de linguagem. O anúncio abaixo, retirado de um jornal de grande circulação do Rio de Janeiro, fundamenta o que acabamos de expor:
 Lendo atentamente o anúncio, que relações você conseguiu estabelecer entre construção da língua materna e ideologia?



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